Na certeza de que o setor automóvel enfrenta dos maiores desafios da sua história, David Gendry, Diretor Geral da Seat Portugal, aponta a falta de medidas e de apoio em Portugal, que reconhece terem existido noutros países europeus, contudo, vê neste cenário, atípico e inesperado, um tempo de oportunidades.
Em entrevista que concedeu à Executive Digest, David Gendry antevê o posicionamento da marca diante das principais metas a atingir no novo ano, sobretudo, em matéria de alterações climáticas, e partilha aa visão de um futuro que será, incontornavelmente, elétrico, no que concerne à mobilidade.
Neste momento, por onde passa a recuperação do setor automóvel em Portugal?
O impacto da pandemia no setor automóvel está a ser enorme, com uma queda do mercado até outubro. Em Portugal, ao contrário dos outros países europeus, não foram tomadas medidas que ajudem na recuperação deste setor, com enorme peso na economia e que emprega milhares de trabalhadores. Com a quebra do turismo, a redução de poder de compra, o setor automóvel está a ser amplamente afetado.
A Covid-19 é um dos maiores desafios que a indústria automóvel enfrentou até hoje. Numa altura em que se assistem a mudanças tecnológico fundamentais, a crise tem vindo a pressionar a indústria automóvel europeia, bem como também a nível nacional. Será necessário encontrar formas de ultrapassar esta crise sem prejudicar empregos e investimentos e, ao mesmo tempo, de manter o foco nos desafios climáticos e ir recuperando o setor.
No que ao mercado nacional diz respeito, a Seat mantém a ambição de preservar a curva de crescimento que tem sido alcançada nos últimos anos. Um crescimento, diga-se, alicerçado numa base sustentada e sustentável, pois só desta forma será possível atingir os objetivos a que nos propomos a médio/longo prazos. Este ano, já tivemos o lançamento do Novo Seat Leon 5P e do SP, dois modelos com uma importância grande na marca.
A pandemia causou danos irreversíveis no mercado nacional?
O que os números confirmam é que o setor automóvel está a sofrer uma contração nunca vista em Portugal e um recuo ainda pior do que aquele que marcou o pico da crise financeira global, no entanto, também traz oportunidades. A aceleração da digitalização por exemplo, toda a transformação digital e toda esta nova etapa que estamos a passar tem impactado o negócio em vários sectores e o sector automóvel não é exceção. Uma das maiores mudanças terá sido a frequência com que o consumidor se desloca a um concessionário e a forma como a tomada de decisão se transfere, cada vez mais, para o espaço digital.
Com a digitalização crescente associada ao setor automóvel, temos procurado melhorar a experiência de compra do cliente e de todos os serviços associados. Quase se poderia dizer que a estratégia passou a ser a de oferecer uma experiência de compra continuada e centrada no cliente, em que a marca põe em marcha conceitos inovadores de distribuição.
Com as novas tecnologias e com a preservação do meio ambiente sempre na mira, continuamos a garantir soluções competitivas para todo o tipo de clientes empresariais, às PME e às grandes empresas. A Seat rapidamente adaptou-se à nova realidade, criou medidas de apoio à rede de concessionários e avançou com o desenvolvimento de uma série de ações que foram ao encontro das necessidades das pessoas quando estas não podiam sair de casa.
Um outro exemplo, é a proximidade com a eletrificação. A grande mudança para a eletrificação está de facto a acontecer neste momento, até 2021, entre a Seat e a Cupra, o objetivo passa por lançar cinco novos modelos elétricos e híbridos plug-in, sendo o Seat Mii electric o primeiro modelo desta “ofensiva”. Os modelos desta ofensiva serão a versão elétrica do Mii e o el-Born (os primeiros modelos 100% elétricos da marca), seguindo-se a estes as versões híbridas plug-in do Tarraco e da nova geração do Leon.
A Seat impulsionará também a estratégia de mobilidade urbana centrada em produtos e serviços de micromobilidade, lançando um motociclo 100% elétrico e o primeiro na história da marca a SEAT MÓ eScooter 125, bem como um novo e-Kickscooter a SEAT MÓ eKickscooter 65 a nova eScooter 125 e a eKickScooter 65 que chegarão a Portugal no primeiro trimestre do próximo ano.
Já lideramos a estratégia da micromobilidade para o Grupo Volkswagen e com os dois lançamentos potenciará a mobilidade urbana. A ambição é continuar a crescer, uma vez terminada a pandemia. Estamos a trabalhar para assegurar o crescimento das marcas Seat e Cupra e o lançamento da nossa ofensiva de produtos: Cupra Formentor e as versões híbridas plug-in do Seat Leon e Cupra Leon. É um ano de grandes desafios e novos lançamentos. Mantemos a capacidade de criar ofertas ajustadas aos vários tipos de necessidades, quer a nível de valor, quer a nível de viaturas com um excelente nível de equipamento.
O “2030 Climate Plan” da Comissão Europeia indica que serão precisos investimentos massivos por parte da indústria automóvel. Como vê as novas diretrizes europeias focadas nas metas climáticas e o seu impacto neste setor?
A Comissão Europeia apresentou recentemente o 2030 Climate Plan, que irá necessitar de grandes investimentos por parte da indústria automóvel num período tão complicado que a Europa atravessa. Os investimentos levados a cabo pelo setor nunca serão suficientes. Para o objetivo da mobilidade zero-emissões para todos os cidadãos, precisamos de uma vasta rede de pontos de carregamento em toda a União Europeia, além de incentivos economicamente sustentáveis, que neste momento ainda não existem.
A Seat quer minimizar o impacto ambiental da nossa atividade diária, dos nossos produtos e das nossas soluções de mobilidade para proteger o planeta contra as alterações climáticas e o aquecimento global. E lançou um plano de sustentabilidade em 2010 para melhorar a sua pegada ambiental, atuando sobre cinco indicadores de produção (consumo de energia e água, produção de CO2, resíduos e compostos orgânicos voláteis). Mas também reduziu a sua pegada ambiental de produção em 43% desde 2010.
O objetivo da Seat em 2025 é alcançar uma melhoria geral de 50% nos seus indicadores ambientais como passo intermédio para uma produção com impacto ambiental zero até 2050. Ao mesmo tempo, a fim de cumprir os objetivos e reduzir o CO2 da nossa frota, a empresa está a impulsionar a eletrificação da sua gama (Seat e Cupra) e a melhorar a tecnologia dos seus automóveis com motor de combustão.
Apesar de todas as medidas e da consciencialização das metas climáticas, o parque automóvel europeu continua a ser o mais poluente. Como se explica esta situação?
Queremos minimizar o impacto ambiental da nossa atividade diária, dos nossos produtos e das nossas soluções de mobilidade para proteger o planeta contra as alterações climáticas e o aquecimento global. No caso da Seat está comprometida com o ‘Paris Climate Agreement’. O nosso objetivo é tornarmo-nos uma empresa neutra em termos de CO2 até 2050.
As metas ambientais ditam o fim das vendas de novos veículos a gasóleo e gasolina nos próximos 15 anos. Como antevê esta transição?
Cada vez mais países da Europa e de outras regiões do mundo propõem acabar com a venda de novos veículos com motores a gasóleo e gasolina nos seus mercados já no período de 2030 -2035. Estamos convencidos de que a eletrificação é a única forma de atingir o objetivo desafiante, de nos tornarmos uma empresa neutra em termos de CO2 até 2050. Mas, ao mesmo tempo, é essencial assegurar uma mudança rápida para a e-mobilidade. A aquisição e utilização de um veículo elétrico deve ser convincente e sem esforço para os clientes.
Acreditamos que a eletromobilidade será bem-sucedida. Naturalmente, quanto mais atrativas forem as condições para a eletromobilidade estabelecidas, mais cedo e em maior número as pessoas farão a escolha de um carro elétrico para as suas necessidades individuais de mobilidade. Uma abordagem legislativa pode, por vezes, criar um sentimento de intervenção por parte do estado. Nós, por outro lado, confiamos nas escolhas individuais responsáveis dos nossos clientes.
Que peso podem assumir os veículos elétricos em Portugal na próxima década?
Em primeiro lugar, a necessidade de assegurar um meio ambiente saudável abre hoje caminho a soluções cada vez mais ecológicas, com uma aposta inequívoca na mobilidade elétrica. Este é o preço a pagar para quem não quiser perder a corrida da competitividade e da inovação. Não admira, por isso, que os veículos elétricos e híbridos plug-in estejam a conquistar terreno nas estradas portuguesas, tanto junto de particulares como de clientes empresariais, vencendo as reservas iniciais ao nível das limitações de autonomia e de infraestruturas de suporte.
Em Portugal, tem havido uma procura para carros a gasolina e híbridos que combinam eletricidade com gasolina. Apesar de ainda não terem uma grande expressão, a venda de veículos elétricos tem vindo a registar uma forte subida.
Numa altura em que a sustentabilidade se tornou a base da estratégia do setor automóvel, cresce a importância de se encontrarem novas soluções de mobilidade. O investimento da empresa previsto de 5.000 milhões de euros até 2025 será alocado a projetos de I&D para desenvolver novos modelos e a equipamentos e instalações em Martorell, com o objetivo de assumir novos projetos, em particular para eletrificar a gama.
Para além do lançamento de novos modelos elétricos e híbridos plug-in, a Seat vai desenvolver uma nova plataforma em colaboração com a Volkswagen. Esta deverá ser uma versão mais pequena da plataforma do Grupo Volkswagen destinada a modelos elétricos, a MEB, e tem chegada prevista para 2023. A nova plataforma deverá ter cerca de 4 m de comprimento, vai ser usada por várias marcas e tem como principal objetivo permitir desenvolver veículos elétricos acessíveis com um preço de entrada abaixo dos 20 mil euros.
Outras das tendências crescentes, um pouco por todo o mundo, é o ‘sharing’, a partilha de veículos, em detrimento da sua aquisição. Até que ponto pode esta tendência ameaçar o setor?
A Seat lançou o seu primeiro serviço de partilha de motos em Barcelona com um total de 632 eScooters à disposição do público. Para além da motosharing, a empresa oferece também um serviço de assinatura também com scooters totalmente elétricas na cidade. O objetivo de ambos os serviços é assegurar a mobilidade individual a todos os cidadãos, mesmo durante os dias com restrições de tráfego.
Com os seus veículos ágeis e de emissão zero, Seat MÓ pretende contribuir para reduzir a poluição e melhorar a mobilidade urbana em Barcelona, a casa do Seat. A situação extraordinária em que nos encontramos devido à Covid-19 causou um impacto significativo na atividade de partilha de automóveis e as previsões a curto e médio prazo indicam que esta procura não irá recuperar totalmente.
Por esta razão, a Seat reorientou a sua estratégia e prioridades nos serviços de mobilidade, e o carsharing não se encontra entre eles. Através da sua nova marca MÓ, mantém o seu firme empenho no desenvolvimento de produtos e soluções de micromobilidade adaptados às necessidades do público, tais como a o serviço de “motosharing em Barcelona e a nova eScooter 125 e a eKickScooter 65 que chegarão a Portugal no primeiro trimestre do próximo ano.
