“É DIFÍCIL E PREMATURO AFIRMAR QUE A PANDEMIA CAUSOU DANOS IRREVERSÍVEIS”, DIZ EDSON ISHIKAWA, MANAGING DIRECTOR DA VOLVO CAR PORTUGAL

Com o ano atípico da pandemia do novo coronavírus a terminar, é tempo de fazer balanços e alinhar estratégias para impulsionar a recuperação económica, que se tornou um desígnio mundial.

A indústria automóvel, um pilar fundamental nas economias desenvolvidas, vive, também em Portugal, um período duro, de dificuldades continuamente agravadas com o desenrolar das medidas restritivas na primeira e segunda vaga da pandemia. Porém, ainda não é tempo de ‘deitar a toalha ao chão’ ou até mesmo de considerar que os danos da crise são irreversíveis.

Assim lê a realidades destes dias Edson Ishikawa, Managing Director da Volvo Car Portugal. O líder da gigante automóvel em Portugal aponta caminhos e explica, em entrevista concedida à ‘Executive Digest’, que decisões, quer sejam da indústria quer seja dos governos, podem fazer a diferença na resposta aos mais diversos desafios que se colocam.

Neste momento, por onde passa a recuperação do setor automóvel em Portugal?

Passado o período do primeiro confinamento, notou-se uma pequena recuperação do mercado como um todo principalmente nos meses de agosto e setembro. Entretanto, a chegada da segunda onda da pandemia e as novas medidas de confinamento criaram novamente muitas dificuldades no setor automóvel culminando com uma descida de, aproximadamente, 28% em novembro.

A pandemia causou danos irreversíveis no mercado nacional?

É difícil e até diria prematuro, afirmar nesta fase que tenha causado danos irreversíveis no mercado. O mercado automóvel em Portugal, apesar das suas particularidades e da alta carga fiscal sempre foi muito dinâmico e, acima de tudo, muito resiliente na forma como se adapta e evolui perante as demandas naturais de uma sociedade em evolução bem como de uma situação nunca expectável como a que vivemos hoje.

Prefiro crer que, numa situação extrema como a que vivenciamos, criam-se novos hábitos, novas prioridades em cada um de nós o que, no limite, pode acelerar alterações profundas na forma como interagimos com nossos consumidores e, principalmente, como evoluímos para atender a estas novas e mais exigentes demandas.

Portugal continua a lidar com uma carga fiscal pesada. Comprar automóvel cá ainda é 30% mais caro do que em Espanha. Como perspetiva que evolua este ponto?

Infelizmente esta é uma realidade em Portugal o que acaba sempre prejudicando o consumidor português e, tenho certeza, a economia como um todo, porque acaba sempre por limitar o crescimento natural do setor e, mais importante nos dias de hoje, a renovação do parque automóvel em Portugal com consequentes impactos negativos no meio ambiente.

Esperamos sempre que exista alguma iniciativa do governo para que seja revista a carga fiscal neste setor mas na realidade não vemos grande iniciativa para alterar esta situação.

O “2030 Climate Plan” da Comissão Europeia indica que serão precisos investimentos massivos por parte da indústria automóvel. Como vê as novas diretrizes europeias focadas nas metas climáticas e o seu impacto neste setor?

A atual tendência indica que para a União Europeia atingir o objetivo de alcançar emissões líquidas zero em 2050 os objetivos para 2030 necessitam ser revistos sendo este talvez o motivo principal da nova proposta desenvolvida e que se espera ser aprovada ainda em Dezembro.

No caso da indústria automóvel, tem passado nos últimos anos por uma “revolução” no que diz respeito à sua matriz energética tanto no que toca aos seus produtos bem como a toda a sua cadeia de abastecimento e produção.

Os investimentos tem sido massivos nesta área e acredito que assim continuará sendo nos próximos anos. No caso da Volvo Cars, muito antes desta iniciativa de ajuste por parte da UE, havíamos definido como ‘target’ o ano de 2040 para atingirmos nossa neutralidade em emissões. Para a Volvo, o futuro do setor automóvel ‘premium’ será elétrico e já em 2025 pretendemos ter pelo menos 50% do nosso volume baseado em veículos 100% elétricos e os restantes 50% em veículos híbridos.

Até que ponto a canalização dos fundos comunitários pode apoiar a transição energética?

Aparentemente esta é uma condição inegociável por parte da UE para atribuição dos fundos comunitários destinados para a recuperação económica pós pandemia. Se estes recursos forem realmente aplicados como se apresentarem nos respetivos planos de cada país, poderá e deverá ser um avanço e uma oportunidade única para a UE como um todo ter um plano ambicioso para acelerar esta transição energética.

Como sempre, vai depender da competência da UE na gestão e controle da implementação dos planos de cada país e, obviamente, um pouco de todos nós para cobrarmos do governo a correta e eficaz aplicação destes recursos localmente.

O anunciado corte no limite das emissões de CO2, a partir de janeiro de 2021, poderá fazer aumentar o preço dos automóveis?

Aqui vale a pena lamentar a forma como esta alteração de impostos para os veículos híbridos foi incluída no “último minuto” no orçamento do Estado sem nenhuma consulta ou discussão prévia com os representantes do setor em Portugal.

É quase inevitável que os preços sejam alterados e que os consumidores que pretendem adquirir veículos mais amigos do ambiente sejam prejudicados. Parece mesmo uma daquelas equações onde ninguém sai a ganhar… nem o setor, nem os consumidores e, certamente, nem o ambiente.

Caberá novamente às marcas, aos seus concessionários e à indústria como um todo adaptar-se à nova realidade e buscar alternativas para minimizar o impacto no negócio. Temos investimentos efetuados e em curso para melhoria contínua da nossa oferta e satisfação dos nossos consumidores e, podemos sempre garantir que tudo faremos para não defraudar estas expectativas mesmo num cenário tão adverso como o atual.

Apesar de todas as medidas e da consciencialização das metas climáticas, o parque automóvel europeu continua a ser o mais poluente. Como se explica esta situação?

Existem várias razões para esta situação. O peso dos motores a gasóleo e a gasolina, apesar de estarem em declínio, continua a ser muito relevante. A nova preferência por SUVs e sua crescente participação no mercado são fatores importantes para estes dados.

Entretanto, urge lembrar que a Europa tem, desde 2014, o plano mais ambicioso para redução de emissões por parte dos automóveis. Este plano indicava uma média de 95g CO2 por quilômetro a partir deste ano. Deveremos ter resultados bastante superiores quando contabilizarmos os resultados finais de 2020. Na Volvo, já confirmamos que os objetivos estabelecidos para a marca em 2020 serão superados o que demonstra com resultados que estamos no caminho correto.

Apesar disso, quando falamos em parque automóvel temos que considerar o conjunto de viaturas que estão a circular na Europa e, portanto, um plano ambicioso de renovação de frota como já existe em alguns países torna-se urgente para, em conjunto com os novos veículos cada vez mais eficientes colocados no mercado, gradativamente, este cenário evolua mais rapidamente.

As metas ambientais ditam o fim das vendas de novos veículos a gasóleo e gasolina nos próximos 15 anos. Como antevê esta transição?

É difícil afirmar que isto acontecerá na indústria como um todo nos próximos 15 anos, seguramente podemos dizer que o peso destas motorizações irá reduzir cada vez mais seguindo a natural tendência das exigências ambientais e, mais importante, a maior exigência dos consumidores na procura e escolha de produtos e marcas com esta identidade amiga do ambiente.

Da nossa parte já afirmamos que pretendemos eliminar os veículos 100% a gasóleo e a gasolina da nossa gama ao longo dos próximos 5 anos.

Que peso podem assumir os veículos elétricos em Portugal na próxima década?

No final da próxima década, considerando o que sabemos hoje, acredito que aproximadamente 50% dos veículos de passageiros vendidos em Portugal poderão ter motorização 100% elétrica, sempre dependendo da evolução das infra estruturas existentes e de uma política fiscal mais adequada à nova realidade e exigências ambientais.

Outras das tendências crescentes, um pouco por todo o mundo, é o ‘sharing’, a partilha de veículos, em detrimento da sua aquisição. Até que ponto pode esta tendência ameaçar o setor?

Car sharing ou opções de subscrição por exemplo não devem ser considerados ou entendidos como ameaças ao setor. São novas tendências e é melhor que as vejamos como novas oportunidades que já parecem estar mais consolidadas neste momento. Seguramente existirão outras opções em seguida já que a indústria automóvel está a passar pela maior transformação das últimas décadas.

As exigências num mundo mais e mais digitalizado e com padrões de consumo muito diferentes do chamado “modelo tradicional” são a nova realidade do setor e, como sempre, aqueles que souberem entender melhor e se adaptarem a esta nova realidade sairão mais fortalecidos nesta transformação.

Temos que ter a capacidade e a agilidade para nos adaptarmos rapidamente e buscar, neste novo cenário, novas formas de gerar resultados considerando toda a cadeia de valores que engloba o consumidor e as suas necessidades e expectativas sempre que se relaciona com a Volvo.

Na Volvo temos o propósito de oferecer “Liberdade de movimentos – de forma pessoal, sustentável e segura” o que se enquadra perfeitamente nas atuais e nas futuras exigências dos nossos consumidores.