Chips | A pequena grande peça que está a afetar indústrias

A pandemia e a guerra comercial são apenas algumas das justificações para o problema de falta de chips que todo o mundo enfrenta neste momento. O setor automóvel é dos mais afetado mas não é o único. A solução ainda não está à vista e, apesar de se esperarem algumas melhorias para o segundo semestre, nada é certo. AFIA fala em “catástrofe” caso as falhas durem dois anos, como tem sido estimado. AEP lembra que problema surge “numa altura em que o país precisa de recuperar”.

Quando compramos um carro, um telemóvel ou um computador, nem pensamos – e muitas vezes nem sabemos – de todas as peças (às vezes minúsculas, mas importantes) que são necessárias para o seu bom funcionamento. Peças fundamentais para o seu funcionamento como é o caso dos chips que, com a falta que estão a fazer no mundo inteiro, estão a causar grandes problemas a várias indústrias.

Estes chips estão no coração da maioria dos equipamentos que usamos e são, assim, muito essenciais para a produção dos mesmos. Mas há faltas deles e as justificações são muitas: em primeiro lugar a pandemia que levou a uma recessão da economia mundial e alterou o padrão de consumo dos consumidores. Mas não só. O fornecimento de chips diminuiu devido à crescente procura por eletrónicos durante a pandemia e às interrupções em grandes instalações de produção. A escassez foi ainda agravada pela acumulação das sanções dos EUA a grupos chineses, o que acabou por tornar mais difícil para algumas empresas garantir componentes para eletrónicos.

A verdade é que esta crise ainda está longe de ser solucionada e a escassez global de componentes afeta vários setores como o da tecnologia, automóvel e eletrodomésticos. As consequências avizinham-se graves: despedimentos, falta de mercadorias nos stocks e… mais uma crise económica a juntar à que já vivemos. E que afeta todos os países, em que Portugal não fica alheio.

Um dos primeiros setores a ser afetado com este problema – e que ainda lida com esta crise – foi o automóvel. O mais recente estudo da Associação de Fabricantes para a Indústria Automóvel (AFIA) sobre o impacto da escassez de matérias-primas na indústria de componentes para automóveis não deixa margem para dúvidas: a falta de chips para os construtores de automóveis está a arrastar toda a cadeia de fornecimento. “A realidade anunciada de falta de chips no mercado por um período de dois anos é uma catástrofe”, garante a entidade.

Mas vamos a números: a escassez de semicondutores está a impactar a produção automóvel no primeiro semestre deste ano em todas as regiões. No que diz primeiro ao primeiro trimestre, foram produzidos menos 1,2 milhões de automóveis devido à escassez de semicondutores. Falamos de menos 465 mil na China, menos 272 mil na América do Norte e ainda menos 238 mil na Europa.

E as perspetivas não são animadoras. A AFIA não tem dúvidas e acredita que a tendência para o segundo trimestre “é para o agravamento desta situação” que terá um impacto de 1,7 milhões: -775 mil na América do Norte, -385 mil na Europa e -250 mil na China.

Diz ainda a associação que, segundo a LMC Automotive, a situação vai melhorar já a partir do segundo semestre deste ano mas não totalmente. “Ainda assim, na totalidade do ano, serão produzidos menos dois milhões de automóveis devido à falta de chips”, o que se traduz em -787 mil na América do Norte, -460 mil na Europa e -435 mil na China.

Com base num inquérito realizado junto das empresas do setor, é possível perceber que a escassez de matérias-primas está a atingir, direta e indiretamente, a maioria delas com 83,3% a afirmar que este ano já teve problemas relacionados com a cadeia de abastecimento de matérias-primas.

O inquérito explica ainda que a escassez de matérias-primas é transversal e vai desde os polímeros, aços / componentes metálicos, chips / semicondutores e outros componentes eletrónicos, passando pela borracha e tintas, até aos químicos. “Esta falta de matérias primas ou atrasos no seu fornecimento, aliado ao aumento substancial dos preços das matérias primas, está a condicionar fortemente a atividade das empresas da indústria de componentes para automóveis”.

Aliás, os dados da AFIA são claros: 41,7% das empresas inquiridas já tiveram de parar temporariamente a produção devido à falta de matérias-primas “seja por esse material entrar diretamente no seu processo de fabrico ou por interrupção da produção no seu cliente final”.

Os dados mostram ainda “grandes dificuldades na organização do trabalho e no controle de aprovisionamento devido à incerteza dos programas ou às paragens não programadas dos clientes”. Destaque ainda para o facto de, em paralelo a estas “enormes dificuldades organizativas”, existir uma quebra acentuada nas vendas ao que se junta a escassez e / ou atrasos na entrega e uma “inflação galopante” no custo das matérias-primas.

A imprensa internacional dá conta que gigantes como Volkswagen, Jaguar Land Rover e Ford tiveram que despedir trabalhadores, reduzir a produção de veículos e fechar fábricas.

E o problema não é apenas para os fabricantes de automóveis uma vez que diversos fabricantes de chips já estão a subir os preços e a atrasar entregas, o que significa que, a curto prazo, este problema vai também afetar diretamente o consumidor final, que além de esperar mais tempo por um determinado produto, terá que pagar mais por ele.

A importância da peça

Hoje em dia os sistemas eletrónicos são comandados por processadores, dos vocacionados para o entretenimento aos que servem a navegação. Juntam-se ainda as ajudas à condução e os computadores que gerem o funcionamento do motor, da caixa de velocidades e do controlo de tração e estabilidade. Esses chips são então necessários para o funcionamento do automóvel e não são produzidos pelas fábricas automóveis. Hoje estima-se que os semicondutores sejam o quarto produto mais comercializado do mundo, ficando atrás somente dos automóveis, petróleo refinado e do petróleo bruto.

Setor automóvel em Portugal

Portugal não é exceção e também parou. A título de exemplo, várias empresas como Autoeuropa ou Stellantis (mais conhecida por PSA) já foram obrigados a parar a produção.

“A falta de semicondutores atinge todo o mundo automóvel, num contexto de crise sanitária que faz oscilar o mercado. Desde o início da crise covid, gerimos a atividade diariamente, fábrica a fábrica, adaptando a nossa atividade industrial às tendências do mercado automóvel, tendo em consideração as diferentes situações que enfrentamos (fornecimento de peças, confinamento, etc…)”, explica ao i a Stellantis.

A empresa acrescenta ainda que, nos últimos meses, a unidade teve de realizar “alguns ajustes de produção devido a dificuldades de aprovisionamento dos nossos fornecedores. Até agora, está a ser utilizada a ferramenta de flexibilidade que permite proteger os colaboradores em momentos de redução da atividade (como a que estamos a viver atualmente)”.

Para já, defende que “a situação ainda é muito imprevisível”, mas admite que “haja uma melhoria nos últimos meses do ano”.

Ainda esta quarta-feira a Stellantis anunciou que oito das 44 fábricas do grupo estão diretamente afetadas pela escassez de chips e outros componentes eletrónicos estando suspensas algumas linhas de montagem técnicas. Aliás, a escassez mundial de semicondutores impediu o fabricante de automóveis de produzir 190 mil veículos no primeiro trimestre deste ano.

Também a Autoeuropa e a Bosch de Braga sentiram os efeitos desta crise. No caso da fábrica de Palmela – que parou em março – sabe-se que desde o último trimestre de 2020 que o grupo criou uma task-force com o objetivo de minimizar o impacto da escassez global de semicondutores nas suas fábricas.

Que impactos na indústria portuguesa?

Luís Miguel Ribeiro, presidente da Associação Empresarial de Portugal (AEP) explica que este é “um problema difícil de quantificar, pelo menos para já”. Mas a verdade é que “está a afetar a economia portuguesa, em particular a indústria, designadamente o setor automóvel, mas não só, e coloca-se numa altura em que o país precisa de recuperar da forte recessão económica provocada pela pandemia, que não se compadece com este tipo de limitações”.

E os problemas não ficam por aqui. As empresas associadas da AEP têm reportado estes e outros constrangimentos como é o caso do “aumento do preço de outras matérias-primas e produtos intermédios, decorrente da escassez e, também, do elevado custo de transporte, com implicações, em alguns casos, em termos de interrupções temporárias da atividade”, revela Luís Miguel Ribeiro.

Se para já é impossível quantificar os impactos financeiros para estas empresas portuguesas, o presidente da AEP não tem dúvidas que os mesmos serão “certamente consideráveis, atendendo ao perfil de empresas utilizadoras destes semicondutores” que são “fortemente inovadoras, exportadoras e geradoras de elevado valor acrescentado”.

O responsável deixa ainda o alerta que “os chips têm uma multiplicidade de aplicações, não se resumem à produção de veículos”. Por isso, “se não formos capazes de solucionar o problema, teremos riscos muito sérios em vários setores de atividade económica, quer pelo impacto direto na produção desses setores – genericamente, de elevado valor acrescentado – quer pelo efeito de arrastamento que gera noutros setores a montante e a jusante”.

Então qual será a solução?

“Entre as soluções está seguramente a necessidade de valorizar a indústria nacional, no sentido de podermos reduzir a dependência de determinados componentes, matérias-primas ou produtos intermédios face a determinados mercados, nomeadamente asiáticos”, defende Luís Miguel Ribeiro. “Por analogia, é importante lembrar a elevada dependência, no início da pandemia, de outro tipo de bens, como máscaras e equipamentos de proteção individual, que Portugal passou a produzir de forma muito eficaz. É evidente que a produção e desenvolvimento de chips envolve um maior grau de complexidade, mas constituiria uma excelente tendência de sofisticação da nossa especialização produtiva”, acrescenta.

E apesar de não haver perspetivas em relação ao facto de quando é que esta situação pode ser regularizada, Luís Miguel Ribeiro considera que “o controlo da pandemia ajudará, em parte, a regularizar as cadeias de abastecimento e a equilibrar as duas forças de mercado: oferta e procura, neste último caso fortemente ampliada – a nível mundial – pelo setor da eletrónica de consumo”.

No entanto o responsável defende que isso “não é suficiente” e que a Europa “terá de robustecer a sua política industrial, apoiando a produção deste tipo de componentes e outros materiais que são estratégicos, que possuem grande potencial de aplicação numa multiplicidade de setores e são cruciais para a subida na cadeia de valor e o reforço da competitividade europeia”.

A AEP lembra ainda que “por ser tão penalizador para os setores industriais poderem funcionar em pleno”, a associação sensibilizou o Governo português no sentido de colocar o tema na agenda da Presidência do Conselho da União Europeia, “por forma a reduzir a enorme dependência europeia de fornecedores externos”.

Mercado de hardware afetado durante meses ou anos

A imprensa internacional avança que a falta de todos os tipos de processadores e outros componentes de hardware podem vir a afetar a disponibilidade e o preço dos equipamentos nos próximos 12 e 18 meses, de acordo com os CEO de grandes empresas tecnológicas, como a Intel, IBM, Extreme, Cisco e Juniper. “A falta de semicondutores afetará seriamente a cadeia de abastecimento e limitará a produção de muitos tipos de equipamentos eletrónicos até 2021”, explicou Kanishka Chauhan, principal analista de investigação do Gartner. “As fundições estão a aumentar os preços das bolachas e as empresas de chips, por sua vez, estão a aumentar os preços dos dispositivos”, revelou.

Fonte: Jornal ionline

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