David Archer | “Portugal pode estar na linha da frente da produção de lítio para a Europa”

O CEO da Savannah, que detém o projeto de exploração de lítio em Portugal, está confiante na aprovação final da Agência Portuguesa do Ambiente, que deverá pronunciar-se até ao fim do ano. Diz que a Mina do Barroso pode “reduzir em 100 milhões de toneladas as emissões de CO2” e transformar a região e a economia do país.

Depois de aprovado pela Agência Portuguesa do Ambiente e de ter passado os últimos três meses em consulta pública, o estudo de impacto ambiental para o projeto de mineração de lítio da Mina do Barroso, em Trás-os-Montes, está agora apenas à espera da Declaração de Impacto Ambiental da APA. Serão agora pesados os contributos resultantes do período de consulta pública – que contou com cerca de 170 submissões – e a análise da comissão de avaliação, para dar vida à Declaração de Impacto Ambiental final da APA, que permitirá (ou não) avançar com a exploração de lítio em Portugal. Ao Dinheiro Vivo, David Archer, o CEO da Savannah Resources – empresa britânica cotada na London Stock Exchange, que se dedica à prospeção e desenvolvimento de ativos mineiros – fala sobre o projeto sob gestão da sua subsidiária portuguesa Savannah Lithium e o que pode representar para a comunidade de Boticas, para o país e para a Europa em plena transformação energética para a eletrificação.

A Agência Portuguesa do Ambiente (APA) aprovou e pôs em consulta pública o Estudo de Impacto Ambiental sobre a Mina do Barroso. Esse período terminou em julho. Quais são os próximos passos para a Savannah?

Antes de avançar para a exploração é preciso, antes de mais, a aprovação final da APA, cuja decisão deverá sair no último trimestre deste ano e que será a chave que definirá a versão final do projeto. Uma vez completo esse passo, poderemos avançar muito mais ativamente com o processo definitivo. Esperamos então finalizar o estudo económico que vai detalhar o desenho final da operação na primeira metade de 2022 e na segunda metade do ano tomaremos a decisão de desenvolvimento da exploração de lítio. Então também esperamos avançar com a fase de desenvolvimento para entrada em funcionamento das instalações em 2023.

Quando prevê que a extração de lítio esteja a funcionar em pleno?

Correndo tudo bem, essa última fase deve demorar uns três a quatro meses, por isso diria que até 2024.

E está otimista relativamente à decisão final da APA? Acredita que o projeto do lítio em Portugal terá luz verde?

Estou certo de que entregámos uma proposta responsável de desenvolvimento sustentável. Estamos envolvidos no processo desde 2018 e contámos com contributos de cerca de 28 consultores internacionais, pelo que temos esperança numa aprovação. Acreditamos que será uma importante mensagem para a comunidade mineira internacional que há oportunidades de mineração em Portugal e que as nossas instalações se tornem precursoras de um modelo de mineração inovadora, no que respeita à preocupação com a exploração responsável e sustentável na Europa. Queremos usar as melhores técnicas, tecnologia de ponta e dar o exemplo de como as melhores técnicas disponíveis podem ser usadas nesta indústria.

Que se pode melhorar a exploração mineira?

Exato, porque não há muitos exemplos de inovação na área na Europa e queremos ser um deles. Uma iniciativa que desenvolveremos a médio prazo é a alimentação energética das instalações, no âmbito da transição de diesel para soluções elétricas e de fontes de energia hídrica e eólica. Isso irá ajudar a reduzir drasticamente as nossas emissões e diminuir a nossa pegada significativamente.

Quanto irá a Savannah Lithium investir neste projeto até 2024?

Em termos de custo de desenvolvimento total, estamos a apontar para cerca de 150 milhões.

E se a APA chumbar o projeto?

Bem, temos uma licença válida na mina até 2036, por isso nesse caso continuaremos a operação mineira para quartzo e feldspato. Mas não esperamos um chumbo. Acreditamos que estamos a fazer um desenvolvimento responsável para avançar de forma a beneficiar todos os portugueses, porque isto afeta a indústria mineira, mas é um ativo que beneficia todo o país.

A União Europeia (UE) vê este investimento com bons olhos? Qual tem sido o acompanhamento de Bruxelas a um projeto de exploração de lítio em Portugal?

Tem havido muito apoio de Bruxelas, porque isto pode ser determinante para a transformação energética em curso, aumentando a resiliência europeia e acabando com a dependência de matéria-prima vinda da China. Uma exploração de lítio dentro da UE permitirá à Europa capturar valor que de outra forma ficaria na China ou América do Sul. Será um passo que permitirá melhorar a capacidade da indústria automóvel europeia e dar uma resposta à economia europeia. A China representa hoje um desafio competitivo muito significativo, porque estão empenhados em dominar o espaço elétrico global e isto é oportunidade para a Europa manter a vantagem competitiva.

Pode a Alemanha, por exemplo, que tem uma das maiores indústrias automóveis, estar interessada também em apostar na transformação de lítio aqui?

O desenvolvimento desta mina irá certamente catalisar outras partes da indústria mais à frente. Estamos atentos a parceiros interessados em refinaria ou conversão de lítio e não sendo o nosso negócio podemos garantir um centro de gravidade capaz de atrair o interesse de construtores.

Mas uma fábrica em Portugal faria sentido?

O lado de refinação sim, faria muito sentido que houvesse empresas a explorá-lo. O nosso investimento poderá até potenciar o desenvolvimento de fábricas de construtoras europeias de veículos elétricos em Portugal.

O acordo com a Galp – que previa que a energética portuguesa tivesse exclusividade na negociação da compra de lítio a extrair do Barroso, com entrada direta no capital das empresas que iriam desenvolver o projeto – expirou em junho. A Savannah está em conversações com outras empresas eventualmente interessadas na refinação?

Sim estamos em conversações com várias empresas europeias, com grupos industriais europeus que estão envolvidos na transformação e captação de mais-valia do lítio. Seria bom que se construísse um ciclo europeu completo com diferentes parceiros. Há interesse internacional, quer da América do Norte quer da Europa. Estamos atentos a todas estas manifestações de interesse.

 

O brexit teve alguma influência neste projeto, prejudicou de alguma forma a posição da Savannah?

Bem, a Savannah Lithium, subsidiária portuguesa da Savannah Resources, é que detém o projeto, por isso não.

Mas a casa-mãe é britânica.

Sim, mas não prejudicou em nada. Continuamos a trabalhar com grande espírito de cooperação com a UE, que está muito empenhada no desenvolvimento da indústria do lítio aqui. O lítio foi declarado um metal estratégico pela Comissão Europeia e nós seremos uma espécie de porta-bandeira da produção. Temos de estar à altura da exigência e dar o melhor exemplo de como podemos fazer isto bem. Mas é sobretudo uma oportunidade imensa para Portugal, quer no emprego quer no desenvolvimento tecnológico. Estamos a trabalhar em colaborações com imensas empresas portuguesas, por exemplo, para desenvolvermos uma smart mine, que seja controlada à distância com uma série de sensores de monitorização ambiental, que providenciem informação em tempo real por app, etc.

Há uma grande aposta na robotização e Inteligência Artificial. O atraso no 5G em Portugal pode prejudicar essa vertente?

Provavelmente teremos de desenvolver a nossa própria rede wireless local, não estaremos tão dependentes do 5G, mas era excelente se estivesse disponível. Mas a área é topograficamente desafiante, por isso teremos de ser nós a garantir cobertura a 100%.

Ainda nos últimos dias houve manifestações da população e de organizações ambientalistas contra o projeto. Como vê esses movimentos?

Muito do que são esses movimentos e muitos manifestantes vêm de França e de outros países, são parte de um grupo antidesenvolvimento, que protesta contra todo o tipo de projetos…

Mas sendo o lítio essencial à transição energética – que essas organizações defendem -, vê esta oposição à exploração de lítio aqui como uma questão de “não no meu quintal”?

Sim, há uma componente disso… mas é uma questão de responsabilidade… Seria desejável construir uma economia circular e não me parece correto que os consumidores queiram energia elétrica verde mas não se queiram envolver na matéria-prima necessária para a alimentar. Os consumidores têm de ser responsáveis. Até porque é melhor produzir de acordo com as leis europeias do ambiente, muito mais duras e sérias na Europa, e num contexto político de liderança para a sustentabilidade e as melhores práticas do que ir, por exemplo, para a República Democrática do Congo. Porque os efeitos dessa escolha controlada ou não afetam-nos a todos. O desenvolvimento da indústria do lítio trouxe-nos uma nova esperança de verdadeiramente agir para a mudança, contra as alterações climáticas. E a mobilidade elétrica permitirá uma incrível melhoria de vida na Europa, nas nossas cidades, na qualidade do ar, com impacto positivo em todas as áreas, reduzindo as emissões de CO2. E o lítio é a matéria-prima que possibilita essa mudança. Não se pode fazer estas baterias sem lítio.

E como é que a Savannah pretende amaciar as consequências ambientais da mina na região de Boticas?

Com uma miríade de iniciativas. Para começar, a mina fica num vale e portanto será invisível para a população…

Mas trata-se de um buraco a céu aberto.

Sim, é verdade. Mas no nosso projeto há iniciativas que garantem uma mitigação progressiva dos efeitos durante o tempo de exploração e no fim de vida da mina, quando for desativada, o buraco será transformado num lago para recreação ou eventualmente em instalações que permitam exploração de energia renovável. O local pode ter um papel a muito longo prazo na matriz de renováveis em Portugal.

Quantos empregos serão criados?

Cerca de 200 empregos diretos e 600 indiretos. Mas nesses 200 diretos estamos a falar de famílias, portanto o impacto de pessoas que beneficiam pode ser três vezes maior. Tem havido um grande declínio populacional na área. Boticas perdeu nos últimos dez anos cerca de 30% dos seus habitantes, de acordo com os últimos Censos. A população na área reduziu-se de 260 para 190 pessoas e com um perfil demográfico envelhecido. E este projeto tem potencial para alterar também isso, já que trará procura de casas, catalisará relocalização de serviços públicos – escolas, serviços de saúde, correios, etc. A mina será parte da solução para revitalizar esta região e inverter a desertificação e trará mercado para produtos agrícolas, encorajará essa produções e outras atividades também.

De que tipo de empregos estamos a falar?

São empregos especializados, como enfermeiros, geólogos, cientistas ambientais, contabilistas, técnicos de IT, ou seja, carreiras de valor e com salários acima da média da região. Será transformador para Boticas.

A Savannah Lithium constituiu também fundos de compensação no valor de 600 mil euros/ano para trabalhar em conjunto com a comunidade e em programas de boa vizinhança. Como é que isso vai materializar-se?

Queremos trabalhar com a comunidade local em vários tipos de programas consistentes com aquilo de que precisam, com o que se identificam. Poderão ser escolas profissionais, ações de promoção de negócios locais, formação, pode ser a compra de ambulâncias. Vamos também trabalhar de perto com os bombeiros na região, que terão acesso às nossas instalações e recursos, à nossa clínica… Há um grande envolvimento e espírito de cooperação com a comunidade. A fundação terá também a missão de construir capital ao longo do tempo de exploração da mina para que no fim desse tempo haja dinheiro para programas comunitários continuarem e progredirem durante décadas. Queremos deixar um legado de longo prazo e não deixar tudo como estava daqui a 16 anos.

De que forma é que a covid influenciou o avanço do negócio?

Atrasou o desenvolvimento local, claro, por causa dos lockdowns não podíamos trazer os engenheiros e especialistas que precisávamos ao terreno e tivemos de travar, mas a covid teve um impacto tremendo em Boticas – os imigrantes não vieram, os restaurantes tiveram de fechar. Na Savannah não teve grande impacto. Acho até que deu gás à ideia de necessidade de mudar para a mobilidade elétrica na Europa, apressou os objetivos e esta necessidade de resiliência europeia. O número de veículos elétricos na Europa está a crescer brutalmente e isso aumentou o interesse no que estamos a fazer. Este projeto de Boticas, em termos globais e na sua duração completa, poderá reduzir em 100 milhões de toneladas de emissões de CO2. Potencialmente, é muito significativo. E Portugal pode estar na linha da frente da produção de lítio para a Europa, é uma oportunidade fantástica. Não estamos longe de conseguir tornar isso realidade.

Quais têm sido os principais obstáculos ao projeto?

As minas demoram uns dez anos até se desenvolverem em todo o seu potencial, é preciso paciência dos investidores, e é um empreendimento de alto risco. Mas creio que tomámos a decisão de avançar, que foi o mais difícil, e temos expertise e empenho dos investidores para chegar lá. Creio que a Savannah é o tipo de empresa que Portugal deve continuar a tentar atrair. Estamos muito empenhados em ter um resultado fantástico aqui.

Haverá fundos do PRR envolvidos?

Estamos a avaliar eventuais parcerias que possam ter capacidade de se candidatar a esses fundos. Acreditamos que a indústria do lítio tem muito valor para a economia portuguesa e será fundamental para complementar a economia num momento em que o turismo está ainda a sofrer tanto com a covid. Este tipo de indústrias acrescentará resiliência à economia portuguesa, empregos a longo prazo e capacidade e cristalizará a indústria trazendo mais investimento ao país.

Pode trazer outras fabricantes de automóveis, por exemplo?

Totalmente. É uma vantagem estratégica de Portugal, porque França e Alemanha não têm lítio. A Península Ibérica pode ser o grande produtor de lítio europeu. É uma oportunidade imensa e deve ser agarrada com entusiasmo.

Matosinhos poderia converter-se para a refinação de lítio?

É uma área industrial em reconversão e tem potencial para isso, por comparação com outros locais não industriais, mas há várias zonas que podem ter uma refinaria.

Esta consulta pública teve 170 contribuições. Sabe o que pedem aqueles que participaram?

Acho que a maioria foram simplesmente submetidos contra a mina do Barroso. Mas o município entregou um documento bastante detalhado – cujo conteúdo não foi divulgado, o que é estranho dado tratar-se de um processo de consulta pública. Nós somos completamente transparentes. Entregámos um documento de 600 páginas, com o projeto altamente pormenorizado e detalhado. E acho que os cidadãos de Boticas gostariam de saber o que o município tem a dizer sobre um projeto com este potencial transformador para a região….

A Savannah tem boas relações com o município de Boticas?

Uma relação de trabalho cívica.

Em abril, a Savannah foi ao mercado para levantar 12 milhões de euros (10 milhões de libras) para arrancar com o desenvolvimento da Mina do Barroso. Como será feito o financiamento do resto do projeto?

Levantámos esse valor que nos permitirá financiar esta parte, mas haverá outras rondas que suportarão o desenvolvimento, incluindo aquisições de offtakers que possam ser financiadas pelo PRR, os clientes que nos comprarão o lítio também poderão querer participar nesse financiamento, e também os métodos tradicionais, como o recurso a bancos de investimento internacionais, sobretudo europeus. Acabámos de designar um responsável sénior muito experiente em financiamento de minas para se dedicar a essa parte, é um australiano como eu, o Sascha Keen, que está baseado em Barcelona e é o nosso strategic financing advisor.

Fonte: Dinheiro Vivo

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