Será que as redes aguentam tantos carros elétricos?

Açores na vanguarda da mobilidade A ilha de São Miguel foi escolhida para testar a tecnologia Vehicle-to-Grid (V2G) que, traduzida à letra, significa “do carro para a rede”, mas que é exatamente isso: o carro usa a rede elétrica para carregar, mas também fornece energia à rede, tornando-se numa espécie de bateria de armazenamento. O projeto, liderado pela Galp, arrancou em abril de 2020 com 10 carros da Eletricidade dos Açores e, em agosto do ano passado, já tinha injetado na rede energia equivalente ao consumo médio diário de 15 casas

A mobilidade elétrica vai traduzir-se num aumento do consumo de energia e num impacto na rede, que obrigará a investimentos, mas que já estão previstos até 2031. Contudo, esse impacto pode ser reduzido — tudo depende de quando se carrega o carro

A mobilidade elétrica já não é uma opção. É uma inevitabilidade. Não só por causa das apertadas metas europeias de combate às alterações climáticas, mas porque a sustentabilidade e continuidade do planeta assim o exigem. Em Portugal a evolução tem sido significativa. Há pouco mais de 10 anos, no início de 2011, havia 21 carros elétricos e cerca de 670 pontos de carregamento públicos, acabadinhos de instalar. Hoje há cerca de 130 mil elétricos e híbridos plug-in em circulação e uns seis mil pontos públicos e privados, que continuam a crescer todos os dias. É, por isso, que as estimativas da Direção-Geral de Energia e Geologia (DGEG) apontam para que, em 2030, haja cerca de 2,3 milhões de elétricos e híbridos plug-in ligeiros de passageiros e de mercadorias, para os quais serão precisos, segundo um estudo da Federação Europeia dos Transportes e Ambiente, mais de 40 mil pontos de carregamento.

Todos estes carros a circular e a carregar vão ter impacto no consumo. “Hoje em dia, o consumo de energia elétrica para a mobilidade é incipiente — 0,2 GWh ou cerca de 0,4% do total —, no entanto, prevê-se que, em 2030, represente 5,5 TWh, cerca de 10% do total”, diz ao Expresso fonte da REN. Mas também vão ter impacto na potência, ou seja, na energia que tem de passar na rede a uma determinada hora e local. Desde logo porque, diz a E-Redes, os operadores pedem potências elevadas, de 41,4 kVA — o mesmo que para um supermercado — porque querem instalar pontos rápidos, dos que demoram 20 ou 10 minutos a carregar. E depois porque podem haver muitos carregamentos em simultâneo, à mesma hora e na mesma zona, e haver um risco de sobrecarga, como quando o contador da nossa casa vai abaixo. “As pessoas tendem a carregar o carro quando chegam a casa, ao fim do dia, entre as 19h e as 20h, o que coincide com um pico de consumo que já está a acontecer, porque está tudo em casa, a fazer o jantar e a usar equipamentos elétricos”, diz ao Expresso João Peças Lopes.

O professor e engenheiro descarta, contudo, que haja sobrecargas tão expressivas que possam provocar apagões. “A mobilidade elétrica nunca será a causa de apagões”, diz, até porque a rede elétrica atual “tem folga para acomodar os próximos cinco anos de evolução da mobilidade elétrica”. Ainda assim, diz, este tipo de impactos podem ser minimizados, tudo depende de como e quando se carrega o carro.

INVESTIMENTOS JÁ PREVEEM MOBILIDADE ELÉTRICA

“É preciso promover o carregamento inteligente e escolher as horas de menor consumo. Por exemplo, carregar durante a noite, entre as 23h e as 6h do dia seguinte, seja em casa ou na rua, ou então durante o dia, entre as 11h e as 17h, enquanto se está no escritório ou quando se vai ao supermercado, a um restaurante ou a uma consulta. E basta o preço ser mais baixo a essas horas que já serve de incentivo”, refere. O administrador da EDP Comercial com o pelouro da mobilidade, Pedro Vinagre, concorda e adverte que carregar um carro elétrico não é como pôr gasolina ou gasóleo. A dinâmica tem de ser semelhante à de carregar o telemóvel, que se pode fazer várias vezes por dia, em qualquer lado, e não precisa de ser até aos 100%. Aliás, a recomendação técnica é de que basta carregar até aos 80%, tal como os telemóveis.

Mais potência e mais consumo tem impacto nas redes, tanto na de transporte, que é gerida pela REN, como na de distribuição, que é operada pela E-Redes, e faz chegar a eletricidade às cidades, casas, empresas, indústrias e, claro, aos pontos de carregamento. E este impacto traduz-se em investimentos, contudo, a maioria está prevista há alguns anos, porque se inclui nos investimentos planeados para todo o Sistema Elétrico Nacional, que incluem, entre outros, mais produção renovável e autoconsumo. “Tudo se faz por antecipação”, explica Peças Lopes. Até porque alguns destes investimentos podem ter de ser pagos pelos consumidores e, por isso, têm de ser aprovados pela DGEG, pelo regulador e pelo Governo. Por exemplo, de acordo com a E-Redes, o plano aprovado em 2018, para investimentos até 2023, “não resultaram em qualquer impacto ou agravamento nas faturas dos consumidores”.

Acresce ainda que há cada vez mais reforços de potência que já não exigem obras profundas e, por isso, são mais fáceis e rápidos de executar. “Tradicionalmente, os investimentos para fazer face ao aumento de consumos traduziam-se em maior capacidade de potência da rede. Estes investimentos continuarão a ser necessários para fazer face à crescente eletrificação dos consumos. No entanto, estamos a investir cada vez mais em redes inteligentes, com maior capacidade de sensorização, comunicação e automação, o que permitirá otimizar o investimento e a operação”, conclui a E-Redes.

Fonte: Jornal Expresso

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