Escalada vertiginosa no preço do níquel ameaça a produção de carros elétricos a nível global

Escalada vertiginosa no preço do níquel ameaça a produção de carros elétricos a nível global

O níquel é um dos principais componentes utilizados nas baterias de automóveis elétricos. A Rússia é uma das principais produtoras a nível mundial, e, por isso, o seu preço está fora de controlo

A incerteza da guerra, uma aposta errada por parte de um bilionário chinês, negociações suspensas na bolsa de Londres, cancelamentos inéditos de lucros astronómicos, iradas acusações de favoritismo e banqueiros oportunistas sempre prontos para remediar a situação. O mercado do níquel vive, neste momento, um dos períodos mais atribulados da sua história recente. É caso para dizer: há semanas em que décadas acontecem. Esta última, que começou a 7 de março, é a prova de que a velha máxima ainda se aplica aos dias de hoje, pelo menos no que diz respeito aos mercados metalúrgicos.

Como não podia deixar de ser, a guerra na Ucrânia serve de base para todos estes desenvolvimentos. Para começar, a Rússia é um dos maiores produtores globais de níquel, sendo responsável por cerca de 10% da produção total. Naturalmente, depois da invasão mandatada pelo Kremlin, e embora o setor metalúrgico não tenha ainda sido alvo de sanções significativas, o preço do níquel começou a subir e atingiu um máximo histórico no dia 8 de março, quando chegou a ser vendido a 100 mil dólares por tonelada.

Para pôr este número em perspetiva, o máximo anterior era de 52 mil dólares por tonelada, alcançado em 2007, e no próprio dia 8 de março o mercado abriu com um preço de 48 mil dólares – tendo em conta o novo recorde, isto corresponde a um aumento de 108% em apenas 24 horas.

A importância do níquel

O níquel é fundamental para a produção do tipo de baterias utilizadas em carros elétricos, não sendo difícil perceber a razão pela qual muitos líderes comerciais desta área sentem que o “futuro é incerto”. O preço do metal já tinha vindo a aumentar desde o início do ano, não só devido à agressividade da Rússia – país onde, é bom lembrar, está sediada a empresa Norislk Nickel, uma das maiores produtoras mundiais de níquel –, mas também em virtude de uma desconexão entre a procura e a oferta no mercado: a produção e procura de carros elétricos cresceram exponencialmente nos últimos anos e as empresas extrativas não têm conseguido acompanhar esse ritmo.

E as baterias não são o único problema. As cadeias de abastecimento e produção da indústria automóvel têm sofrido enormes constrangimentos devido às paragens requeridas pela pandemia de portos e fábricas estratégicas, à escassez de semicondutores ou ao aumento da despesa com a energia. A escalada no preço dos metais é apenas a cereja no topo do bolo. De facto, não se trata apenas do níquel. Outros metais necessários para a produção automóvel como o alumínio ou o paládio também têm visto as suas cotações no mercado disparar. Mais uma vez, a Rússia é uma das maiores exportadoras a nível mundial nos dois casos, pelo que não se antevê uma resolução célere para este problema.

“Uma escalada de custo que vem das matérias-primas e da energia vai pressionar ainda mais o nosso modelo de negócios”, diz Carlos Tavares, diretor executivo da Stellantis, grupo empresarial que detém marcas como a Peugeot, Opel ou Fiat.

A consequência mais direta para os consumidores será o aumento no preço final dos automóveis elétricos, o que poderá dificultar a transição energética e a capacidade de os líderes políticos atingirem as metas de descarbonização propostas nos respetivos fóruns internacionais. Por outro lado, as recentes convulsões no mercado do petróleo poderão atenuar um pouco esta dinâmica, dado que os preços da gasolina e dos carros a diesel também estão a aumentar.

Um terramoto na bolsa de Londres

Pela primeira vez na sua história, a London Metal Exchange (LME), uma divisão autónoma da bolsa de Londres dedicada à compra e venda de produtos de metal, foi obrigada a suspender as negociações de níquel a 8 de março. Num comunicado publicado no mesmo dia, a LME disse estar particularmente atenta aos efeitos da “situação em desenvolvimento na Rússia e na Ucrânia” e que, “dados os movimentos de preços no horário do mercado asiático esta manhã”, tomaram esta decisão com o objetivo de “manter a ordem no mercado”.

A LME não referenciou o mercado asiático por acaso. De facto, um dos principais responsáveis pela subida descontrolada no preço do níquel foi Xiang Guangda, bilionário chinês e proprietário do grupo empresarial Tsingshan, também um dos maiores produtores globais de níquel. Guangda, conhecido como o Steve Jobs dos metais, teve uma premonição: o preço do níquel ia cair. Por isso, ao longo dos últimos meses, o empresário investiu largamente na LME através da compra de vários instrumentos financeiros específicos que tinham um simples objetivo: se o preço do níquel baixasse, o empreendedor chinês teria enormes lucros.

Eis o problema: devido à invasão da Ucrânia, o preço não desceu, mas subiu. E subiu bastante. Guangda foi imediatamente obrigado a pagar avultadas quantias aos investidores na LME devido a este aumento de preços – uma das contrapartidas dos instrumentos financeiros que adquiriu. Estes pagamentos eventualmente alcançaram valores proibitivos, na ordem dos mil milhões, e o investidor chinês deixou de poder cobri-los. Seguiu-se o caos: o preço do níquel disparou e a LME viu-se forçada a suspender todas as negociações.

Mais tarde, a LME anunciou também que iria cancelar todas as negociações que ocorreram no dia 8 de março, com um valor total de 4 mil milhões de dólares. O fundo de investimento AQR Capital Management viu os enormes lucros que obteve nesse dia completamente evaporados, e está a ponderar um processo judicial contra a bolsa de Londres.

No Twitter, o fundador da AQR Capital Management, Clifford Asness, acusou a LME, que pertence à Hong Kong Exchange and Clearing, de favorecer Xiang Guangda e protegê-lo das suas enormes perdas: “E os batoteiros ganham. @LME_news tomem nota, estou a acusar-vos de reverterem negociações para salvar os vossos amigos favoritos e de roubarem os vossos clientes honestos. Vocês têm advogados, eu estou pronto. Vamos a isso, vermes”, escreveu.

Tweet de Clifford Asness, publicado a 10 de março

Nos dias que se seguiram, o banco americano JP Morgan propôs soluções para tentar conter os danos causados por Guangda, nomeadamente uma extensão de crédito ao grupo chinês, o que motivou mais um ataque de Asness, novamente através do Twitter: “Talvez tenha de pedir desculpa a Mattie Chamberlain, CEO da LME. Em vez de roubar, de uma forma inédita, os seus clientes para salvar Xiang Guangda, pode ter roubado os seus clientes para salvar o JP Morgan.”

Entretanto, e devido à inatividade do mercado, o preço do níquel estabilizou perto dos 48 mil dólares por tonelada e as negociações vão reabrir esta quarta-feira, 16, com algumas limitações.

A exploração de níquel pode estar a prejudicar o ambiente

Num golpe irónico, o metal utilizado para produzir as baterias de carros elétricos é extraído a grande custo para o ambiente, e muitas vezes sem o aval das próprias populações locais. Um pouco por todo o mundo, desde a Indonésia à Guatemala, há relatos sobre os métodos extrativos pouco sustentáveis utilizados pelas minas de níquel, que estarão também a prejudicar as condições de vida das comunidades periféricas.

Por exemplo, a cidade russa de Norilsik – onde a Norilsk Nickel tem uma forte presença operacional – é uma das mais poluídas do mundo, devendo esse facto sobretudo às estimadas 350 mil toneladas de dióxido de enxofre que eram emitidas todos os anos pelas minas de níquel da cidade (a mina fechou, entretanto).

Mais recentemente, na Guatemala, tem havido protestos contra a decisão de reavivar as operações numa das maiores minas de níquel da América Central, o intitulado projeto Fénix. Os residentes locais alegam que as atividades da mina, que pertence à Solway, uma empresa sediada na Suíça, causaram a perda de plantações agrícolas, poluíram o lago e instigaram uma campanha para denegrir a reputação das populações indígenas.

Um estudo de 2009, publicado na PlOS One, calculou que o impacto para o aquecimento global de extrair e processar níquel foi o oitavo maior de entre os 63 metais testados nesse ano. O risco, no entanto, poderá valer a pena. Segundo o grupo Union of Concerned Scientists, a produção e utilização de automóveis elétricos gera menos de metade das emissões de carbono comparando com os automóveis a gasóleo ou gasolina.

Fonte: Visão

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