Automóveis usados até três anos podem valer o mesmo que um novo

Há uma ideia entre os operadores no mercado de que gamas mais baixas estão com prazos de entrega mais dilatados, mas nem os fabricantes conseguem garantir datas.

A escassez de veículos novos para entrega, que inicialmente parecia ser boa, sobretudo para o comércio de usados, acabou por ser “mais uma pedra no sapato”. Os tempos de espera para receber um automóvel novo, sobretudo de gamas mais baixas, está hoje em níveis nunca vistos e a transferir clientes, que habitualmente adquirem carro novo, para os stands de usados, aumentando ainda mais a procura, que não chega para as encomendas, com reflexo no preço.

O Dinheiro Vivo identificou um interessado em adquirir um modelo automóvel novo, a gasolina, com todos os extras disponíveis, à venda por 20 800 euros, com entrega provável em setembro/outubro, na melhor das hipóteses. A mesma pessoa dirigiu-se a um stand de usados e constatou que uma versão anterior do mesmo modelo, de 2018, com 40 mil quilómetros, está à venda por 20 400 euros, com entrega “no dia”.

“A falta de viaturas novas é generalizada e atinge todas as gamas e marcas”. Rodrigo Ferreira da Silva, Presidente da Associação Nacional do Ramo Automóvel (ARAN), refere que os prazos de entrega, no caso de veículos com motores de combustão, podem ir “a mais de seis meses”.

Ora, quando há escassez o preço aumenta: os automóveis seminovos estão a ser vendidos ao preço de carros acabados de sair da fábrica. “Como não há veículos novos, quem precisa compra a qualquer preço. Um carro com três anos, ou até 20 mil quilómetros, custa o mesmo que um novo, pois as pessoas não querem esperar meses”, afirma Rodrigo Ferreira da Silva.

A mesma situação reporta Roberto Gaspar, Secretário-Geral da Associação Nacional das Empresas do Comércio e da Reparação Automóvel (ANECRA), confirmando que a falta de produto se sente sobretudo nos segmentos mais baixos, “embora os atrasos sejam muito diferenciados de marca para marca e nem os próprios fabricantes conseguem assegurar as datas acordadas, pois a volatilidade é quase semanal”.

Gamas mais baixas com atrasos maiores

No entanto, há uma ideia generalizada entre os operadores de mercado de que os segmentos mais baixos estão com atrasos maiores, o que acaba por ter uma explicação racional. “Os fabricantes estão a seguir estratégias legítimas de racionalização: se tiver que escolher onde vai aplicar os poucos semicondutores que tem, vai optar pelos veículos que lhe dão mais margem e, também, devido às rigorosas metas nas emissões de CO2, nos modelos menos poluentes”, explica Rodrigo Ferreira da Silva. Com esta estratégia, otimizam, por um lado, a margem de rentabilidade e, por outro, não terão de pagar as multas por não atingirem as metas de dióxido de carbono.

Hugo Barbosa, diretor de comunicação da Renault em Portugal, explica que a produção não está a conseguir responder à procura, mas que é transversal a toda a gama da marca, não havendo opção por este ou aquele segmento. No entanto, admite que, em algumas marcas, poderá haver alguma racionalização na forma como são aplicados os semicondutores. “O que poderá realmente estar a acontecer no mercado, tendo em conta a lei da oferta e da procura é que em alguns casos poderá haver o deslocar dos poucos componentes que temos para os automóveis mais rentáveis”, afirma.

Toda esta questão está a afetar o negócio dos usados, pois além de os comerciantes estarem a comprar automóveis com os preços muito inflacionados, estão também sem stock para satisfazer os clientes habituais. Octávio Filipe, sócio-gerente da CO2, empresa de venda de seminovos, em Pataias, refere que a escassez de produto em segunda mão leva a que os preços, muitas vezes obtidos em leilão, estão em níveis absurdos. E dá um exemplo: uma carrinha comercial seminova que comprava por 15 ou 16 mil euros há um ano, agora não consegue por menos de 21 mil. “Não temos automóveis para comercializar. O meu cliente tradicional, que comprava o carro usado, sobretudo na fasquia dos 14, 15 ou 16 mil euros, deixou de comprar e sentimos alguma procura de clientes que habitualmente compravam novo. Tenho carros comprados há um ano que ainda não foram entregues”, refere a propósito.

Para quando a normalização do setor é uma pergunta de difícil resposta. Roberto Gaspar afirma que não será antes do último trimestre de 2023, sendo que já se nota um arrefecimento na procura, pela conjuntura macroeconómica desfavorável. “Nunca mais vamos ter uma situação idêntica à que se viveu até 2019. O paradigma mudou. Até então os concessionários tinham stock de carros e havia sempre uma solução para o comprador. A partir de agora, o cliente compra o veículo e espera que seja construído”, remata Rodrigo Ferreira da Silva.

Na origem dos atrasos das entregas dos automóveis novos está a falta de semicondutores, que se iniciou com os constrangimentos da pandemia, a que se juntou a falta (e encarecimento) de matérias-primas como o aço, magnésio, palátio, néon e outros. Como resultado, a produção diminuiu. A essa realidade juntou-se a retoma agressiva da procura que os fabricantes não estão a conseguir satisfazer.

Fonte: Dinheiro Vivo

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