Energica Eva Ribelle RS. Eletricidade furiosa

Energica Eva Ribelle RS. Eletricidade furiosa

Esta poderia ser a primeira página de um diário de quem ainda não se converteu às motos elétricas. De quem acredita na viabilidade urbana de veículos que trocam gasolina por pilhas de lítio, mas que, fora da cidade, nunca por elas se sentiu entusiasmado. Bem, pelo menos até agora. Com a Energica Eva Ribelle RS as coisas parecem começar a mudar……

É uma renitência perfeitamente natural. Faz parte da lenta evolução do ‘homo sapiens motus’. São muitos anos de motores de combustão interna. Décadas a queimar gasolina, muitas vezes com o intenso aroma do óleo de mistura. Tanto mais que a espécie motociclística sempre foi avessa a grandes e rápidas mudanças. Lembram-se do ABS? Que era coisa para quem não sabia andar de moto… E do controlo de tração? Idem, idem, aspas, aspas.

Agora, no advento da eletrificação das duas rodas, alega-se com a sonoridade de um belo escape ou com o pulsar dos cilindros. Ainda que haja quem lhes chame de ruído ou vibrações, a verdade é que fazem parte da abrangente experiência motociclística. Tal como faz a embraiagem e a caixa de velocidades convencional. Ou o amortecimento através de sistemas tradicionais.

Mas, há alturas na vida, seja na individual seja na do coletivo, em que as mudanças se impõem. Para que não restem dúvidas, o autor destas despretensiosas linhas está longe de ser um adepto ferrenho das motos elétricas. Mesmo que, e para que não surjam confusões sobre o posicionamento na matéria, considere, desde sempre, como uma alternativa viável para uso urbano. Mas menos interessantes fora dos limites das grandes cidades, por força das limitações próprias da tecnologia. A começar pela autonomia e tempo de carregamento, continuando pelo peso das baterias.

A razão e a emoção

Mas, e isto sem entrar em outras discussões mais ou menos demagógicas, sobre a origem ou o destino das baterias, há que estar atento às evoluções. Como a retratada no muito explicativo artigo sobre a reciclagem de baterias assinada pelo Fernando Pedrinho Martins. Análise de base científica e devidamente fundamentada que nos faz acreditar na potenciação desta tecnologia. E no seu maior e efetivo respeito ambiental!

Ainda assim, e enquanto essas alternativas não chegam ao mundo real, a roda não para e os modelos elétricos continuam a sua evolução. Certamente muito lenta para alguns, à velocidade da luz para outros. Primeiramente ouvimos as explicações racionais que levaram a Moteo a importar a marca italiana para Portugal. Em seguida, com a Energica Eva Ribelle RS tempo para descobrir as sensações… emocionais.

E as primeiras que sempre se descobrem ao conhecer uma nova máquina são as visuais! Neste campo, esta é, sem grande margem para dúvida, uma das mais consensuais propostas elétricas no mercado das duas rodas. As semelhanças com vários modelos conhecidos criam uma familiaridade que facilita a aceitação. Sem destoar ao lado de uma BMW S1000 R, de uma Aprilia Tuono V4, da KTM 1290 Super Duke R, da Yamaha MT-10, Triumph Speed Triple 1200, MV Agusta Brutale ou Ducati Streetfighter, diferencia-se, desde logo, pela ausência de escape. Claro que há muitos outros detalhes obrigatoriamente diferentes, mas a verdade é que, estacionada, poucos darão pelas diferenças.

Uma dianteira particularmente agressiva, com um farol no mais puro estilo ‘transformer’, não deixa ninguém indiferente. Enquanto as linhas do depósito e das carenagens inferiores ajudam a disfarçar ainda mais tudo o que lhe vai na alma. Em contrapartida, a traseira, menos bem conseguida, eleva-se, atirando mais peso para diante, rumo à condução desportiva que se impõe.

Atitude desportiva

Afinal é uma naked de filosofia racing, com o tronco suportado pelos pulsos e as pernas fletidas, em atitude marcadamente desportiva. E que, mesmo antes do procedimento de arranque, em jeito de preparação mental para o que aí vem, pode ser confirmado ao olhar para o posto de comando. Simplicidade é a primeira nota que salta à vista. Seguida pela elevada qualidade. Do guiador de seção variável aos botões de bom desenho e toque agradável. Dos punhos – que são aquecidos – ao sistema de ‘cruise-control’, passando pela chave ‘keyless’. Tudo o que estaríamos à espera numa moto de topo… com motor a gasolina. Incluindo um painel TFT de 4,3”, a cores e supercompleto, ainda que, com tanta informação, não lhe ficasse mal mais uma polegada no tamanho. Ou os modos de condução e de regeneração energética, em jeito do conhecido efeito de travão motor ajustável.

Enérgica Eva Ribelle RS

Só para dar uma ideia dos dados que fornece este computador de bordo, que pode ser configurado em diversas apresentações e luminosidade… aqui vai. Além dos normais indicadores de velocidade instantânea, conta-rotações, conta-quilómetros total e parcial, temperatura ambiente e relógio, tem ainda avisos do status do controle de tração, ‘cruise-control’, punhos aquecidos e conetividade. Até aqui nada de estranho. As diferenças residem nos indicadores da temperatura da bateria e da carga remanescente, além do perfil de regeneração de energia e modo de condução escolhido. Bem como no visível indicador de corrente que permite, num vislumbre, perceber qual o nível de energia a ser gasta ou, se for o caso, regenerada. Já agora, uma nota, quando se corta gás e entra em ação o sistema regenerativo de energia, acende-se o stop por uma questão de segurança.

Gráfico de felicidade

Mudando o ecrã é possível saber a potência e o binário entregues em tempo real, assim como o consumo instantâneo e médio. E existe ainda uma outra configuração que mostra o gráfico de consumo nos últimos 10 quilómetros! Ufa… Claro que existem ainda mais informações e, claro está, a possibilidade de ajustar o painel à vontade de cada utilizador, da língua ao sistema de unidades, da aparência à iluminação. Para isso basta pressionar um botão com o indicador esquerdo, e aceder ao menu principal com acesso a todas as funções.

Naturalmente é importante conhecer todas as informações disponibilizadas, mas fiquemo-nos pelo gráfico de consumo, perfeitamente revelador da felicidade de condução dos 10 km mais recentes. Uma medida inequívoca para contrariar os estereótipos que rodeiam as elétricas. Que são máquinas sem sal, sem caráter, sem piada, verdadeiramente sensaboronas… Pois bem, a minha opinião fica clara no final destas linhas!

Para começar, uma explicação obrigatória. Habituado a conduzir todo o tipo de motos, por vezes pouco espaçadas no tempo, a adaptação tem de ser, obrigatoriamente, rápida. E se, com um motor de combustão já pode ser complicado, com uma elétrica, por seu turno, há que atentar nos muitos mecanismos diferentes. Não só para colocar o veículo em movimento como na sua condução.

Para começar, aquela primeira sensação de provar algo realmente diferente! Mesmo se tem duas rodas e nos sentamos com as pernas abertas e os braços alongados. A Energica Eva Ribelle RS é uma MOTO, disso não haja dúvidas, e se, num primeiro momento estranha-se, com o tempo, acreditem, entranha-se. A ausência de embraiagem ou caixa de velocidades, um peso elevado e, sobretudo, com uma distribuição diferente, obriga a reprogramar boa parte dos mecanismos de condução.

Emoções estrondosas em modo silencioso

Profundamente analisado em inúmeras obras literárias e filosóficas, o valor do silêncio é, nos dias que correm, fortemente exponenciado. Face a tantos ruídos que rodeiam o nosso quotidiano, o silêncio é uma ajuda importante para melhor perceber certas coisas. No caso das motos, tem ainda o condão de nos transportar para uma espécie de universo paralelo.

Ligam-se os mecanismos eletrónicos da Energica Eva Ribelle RS com a chave inteligente a pouca distância do bloco de ignição e ouve-se um primeiro estalido. É o arranque através da bateria de 12 V que liga o sistema, antes de um segundo claque anunciar que o motor trifásico de 300V teve acesso permitido às baterias de 21,5 kWh de capacidade energética. Novo motor EMCE de refrigeração líquida, tipo híbrido síncrono (HSM) que, graças à integração do inversor, permitiu importante redução de peso. Além de não menos significativo aumento da eficiência e, como consequência mais desejada, a melhoria em termos de autonomia. O controlo adaptativo garante que o inversor determina os parâmetros ideais para assegurar um funcionamento mais eficiente em cada momento. Levando em consideração a necessidade de binário, rotação do motor, modo de operação e a temperatura do sistema entre outros fatores.

Em termos práticos, o inversor transforma a corrente contínua proveniente das baterias em corrente alterna para o motor síncrono e trifásico. Que depois a disponibiliza… ao punho direito. Até ao máximo de 171,4 cavalos de potência e, ainda mais expressivo, 222 Nm de binário! Números que podem ser traduzidos pela velocidade máxima eletronicamente limitada a 200 km/h e por uma aceleração brutal. Necessita apenas 2,6 segundos para chegar dos zero aos 100 km/h. O que é exatamente o que gastam os Fórmula 1 da atualidade! Ou as MotoGP guiada pelos melhores pilotos do Mundo. E tudo no máximo silêncio.

À velocidade da luz

Para lá do arranque estratosférico, tudo acontece muito depressa, e ao contrário de uma moto convencional não temos a caixa para nos ajudar a reduzir. Temos, isso sim, a possibilidade de ajustar o efeito de travão motor através do nível de regeneração de energia. Que, além do mais, ajuda a aumentar a autonomia. Note-se ainda que esta versão RS tem, para lá de autocolantes específicos face à Energica Eva Ribelle de base, uma transmissão mais curta (menos um dente no pinhão) e diferenças na gestão do motor.

Motor que pode ser utilizado em quatro modos diferentes, do Rain, para maior segurança e suavidade em pisos escorregadios, ao Sport, para máximas prestações. E há ainda o Eco, limitado a 90 km/h, para acrescida autonomia em modo de passeio, e o Standard, a escolha mais sensata. As acelerações são, em todos os modos, realmente brutais, mas em Sport o melhor mesmo é ter o controlo de tração ligado no nível mais adequado à experiência de condução. É que a roda dianteira releva uma enorme facilidade em descolar do asfalto, criando potenciais situações de aumento do ritmo cardíaco.

Para mantar o coração em bom funcionamento é possível optar entre seis níveis de intervenção, da mesma forma que existem quatro mapas de regeneração de carga.

Ciclística de corrida

No entanto, muito para lá de um motor bombástico, a experiência nas pistas do Mundial de MotoE permitiu criar uma ciclística de elevadíssimo nível. A partir de uma treliça em tubos de aço, construção de marcada tipologia italiana, a Energica Eva Ribelle RS esconde muito bem os 260 kg. Um peso que foi reduzido graças à nova unidade conjunta de motor e inversor, e que assenta essencialmente nas baterias de polímero de lítio. No entanto, note-se que é um peso bem distribuído, com um centro de gravidade razoavelmente baixo, ao ponto de ser potencial campeã nas corridas dos lentos. Rodar a baixa (baixíssima…) velocidade é muito fácil, com o peso a não se fazer sentir, tal como não se nota nas manobras. Para as quais existe a marcha-atrás e uma opção de velocidade lenta para a frente (3,5 km/h), acionadas através da pressão de alguns segundos no botão do arranque.

Enérgica Eva Ribelle RS

Em andamento, independentemente do modo escolhido ou da velocidade, sobressai o grande equilíbrio e facilidade de utilização. A colocação em curva é fácil e a precisão inabalável. Mesmo a velocidades proibitivas! E se a suspensão pode parecer algo dura em cidade, a verdade é que cumpre na perfeição o seu papel desportivo. Além do mais oferece a possibilidade de ajuste completo na forquilha invertida Marzocchi de 43 mm de diâmetro e 110 mm de curso. Além da pré-carga, com uma chave de luneta, é possível regular a compressão na bainha esquerda e a recuperação no lado direito através de simples parafusos. Atrás o monoamortecedor Bitubo, ancorado lateralmente e em posição quase vertical ao generoso braço oscilante em alumínio fundido, garante 165 de curso. Ajustável em pré-carga e extensão, reforça o espírito desportivo da Energiva Eva Ribelle RS mesmo quando é procurado um pouco mais de conforto.

Turística? Pouco e apenas a solo…

Gostaria de fazer turismo elétrico? Hummm…. Apesar dos acessórios pensados para uma maior polivalência turística, como o ecrã frontal de generosas dimensões ou as malas laterais semirrígidas, esta é uma desportiva de alma e coração. Uma ‘hyper naked’ onde também a travagem é herdeira de toda a experiência em pista. Assim, os discos de 330 mm são mordidos por pinças monobloco Brembo, de fixação radial. A potência é enorme, confirmando a vocação do material, mas ressalta um tato muito bom, garantindo um controlo bastante fácil e preciso.

Equilíbrio entre eficácia e controlo em boa parte assente na bomba radial, mas também no eABS. Sistema patenteado pela Energica, que atua em conjunto com o sistema de controlo de tração, para máxima estabilidade e segurança. E que pode ser desconectado em momentos de absoluto espírito radical. Inegavelmente é essa a essência desta italiana, ‘orgulhosamente fabricada’ em Modena, terra da Ferrari, dona de uma agilidade surpreendente promovida pela curta distância entre eixos (1465 mm).

Motivos que levam a encarar a Energica Eva Ribelle RS como uma moto egoísta, mais adaptada a uso solitário apesar da homologação para dois ocupantes. Pobre passageiro que com um banco tão curto, poisa-pés bonitos, mas muito pequenos e umas unheiras debaixo do banco para segurar-se terá muita dificuldade em aguentar um par de acelerações mais… decididas.

Enérgica Eva Ribelle RS

Por isso, o melhor mesmo, é pensar no gozo de condução que é possível extrair, tirando o máximo partido dos Pirelli Diablo Rosso III, geradores de um dos poucos ruídos que vai ouvir. Os outros barulhos provêm da corrente de transmissão e do vento, sem qualquer obstáculo, a passar pelo capacete.

Autonomia? A grande questão…

A proteção aerodinâmica, praticamente inexistente, será, aliás, o óbice principal às grandes deslocações. Mais até do que as baterias cuja autonomia máxima pode chegar, segundo a fábrica, aos 420 km, em utilização urbana, e ultrapassa os 250 km em ciclo combinado. Dados registados em condições ideais de funcionamento que não são assim tão utópicos. É que, mais de 200 km de autonomia conseguimos no teste efetuado, com uma utilização em cidade e estradas nacionais, numa condução pacífica e beneficiando do efeito regenerativo do motor.

E essa foi, de longe a questão mais levantada por outros motociclistas. Qual a autonomia? Nem as cores disponíveis, o consumo ou mesmo o preço de venda ao público suscitaram tanta curiosidade.

Relativamente ao preço, antes mesmo de o referenciar em euros, nota para a isenção do Imposto Único de Circulação, para um consumo por litro equivalente que é cerca de 10 vezes inferior e para os custos de manutenção bem mais reduzidos. Já quanto às decorações, Enérgica oferece diversas possibilidades, podendo optar entre o cinza Stealth, vermelho Corsa ou a vistosa versão Tricolore.

O preço da sustentabilidade

No final de uma experiência realmente excitante, com muita velocidade e, sobretudo, acelerações capazes de ombrear com as melhores superbikes, é tempo de reabastecer a Energica Eva Ribelle RS. Basta ligar o cabo à tomada da garagem, ver o logótipo de marca existente na parte superior do depósito iluminar-se e… esperar. Em 30 minutos ligada à corrente está pronta para cerca de 150 km, garantindo cerca de 80% da carga. Um carregamento (bastante) rápido de série, sobretudo atendendo à capacidade da bateria que pode ser repetido vezes sem conta, graças a uma vida útil de 1200 recargas e uma garantia de 50 mil quilómetros. Ou de três anos, enquanto o veículo em si tem apenas dois anos de garantia.

Esclarecedor nesta primeira grande experiência elétrica foi a perceção dos consumos. Segundo o computador de bordo, a média andou nos 13,2 kWh por cada centena de quilómetros percorrida o que, aos preços cá de casa (0,1414 €/kWh), dá qualquer coisa como 1,86 € por 100 km. Como??? Pois, também fiquei super espantado com uma moto deste calibre gastar qualquer coisa como o equivalente um litro de gasolina aos 100! Pena que o investimento inicial tenha de ser tão elevado: 31 573 €!

Texto original escrito pelo site Motox.pt

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