Setor automóvel é o maior contribuinte líquido da receita fiscal

Crise na produção automóvel ajuda mercado de usados e reparações, mas falta mão-de-obra

“Os impostos provenientes do setor automóvel representam o maior contribuinte líquido para o Orçamento do Estado português, sendo responsável por 19% da receita fiscal” – afirma Roberto Gaspar, secretário-geral da ANECRA – Associação Nacional das Empresas do Comércio e da Reparação Automóvel.

A ANECRA não acredita que seja possível fazer uma transição com base apenas em motores elétricos e defende que os combustíveis sustentáveis sejam aceites como forma de manter os automóveis com motores térmicos em comercialização para além de 2035.

Vida Económica – A tributação continua a ser um problema grave para o setor automóvel?

Roberto Gaspar – Embora nos últimos anos o Governo tenha adotado várias medidas que beneficiam os cidadãos e as empresas que optem por escolhas mais amigas do ambiente, estando o crescimento das viaturas elétricas alavancado em benefícios fiscais, a verdade é que os impostos provenientes do setor automóvel representam o maior contribuinte líquido para o Orçamento do Estado português, sendo responsável por 19% da receita fiscal.

O setor automóvel é um dos principais setores em Portugal com um volume de negócios de 31 mil milhões de euros (dados de 2021). Foi responsável, no nosso país, por uma geração de riqueza (VAB) de 4,4 mil milhões de euros e por um volume de exportações que ultrapassou os oito mil milhões de euros e que, tendo em conta a sua importância, deve ser trabalhado de forma a garantir a sua exequibilidade. A ANECRA está disponível para fazer parte de um Grupo de Trabalho que estude novos modelos de tributação, mais justos e ajustados à nova realidade do setor.

VE – Quais as consequências da eventual entrada em vigor da proibição dos motores a combustão?

RG – As consequências de uma eventual proibição de venda de veículos com motor a combustão trarão, certamente, alterações profundas no setor automóvel. Irá criar-se um efeito disruptivo, em toda a cadeia de distribuição automóvel e de negócio, tendo em conta que existe a necessidade de um enorme trabalho de preparação para implementação de uma medida estrutural e em larga escala até 2035.

Quanto a alterações, numa perspetiva económica, os fabricantes de automóveis terão de reajustar-se e realizar novos investimentos de forma a garantir a comercialização de viaturas elétricas.

Neste capítulo, a China evidenciará a sua enorme preponderância nesta matéria. A título de exemplo, um veículo automóvel elétrico custa em média 65 mil euros nos Estados Unidos da América, 55 mil euros na Europa e cerca de 35 mil euros na China, um valor bastante inferior ao praticado no resto do mundo.

Numa perspetiva social, a proibição da venda de veículos a combustão coloca em causa milhões de empregos em toda a Europa, por um lado através de despedimentos em subsetores especializados e, por outro, evidenciará lacunas e criará necessidades em áreas de especialidade que ainda não estão necessariamente desenvolvidas.

VE – Que alternativas existem?

RG – A ANECRA apoia a posição tomada pela Alemanha, recentemente, e com a qual se alinharam vários países europeus entre eles a Itália, a República Checa, a Polónia, a Roménia, a Hungria e a Eslováquia. Estes países reivindicam que os combustíveis sustentáveis sejam aceites como forma de manter os automóveis com motores térmicos em comercialização para lá de 2035.

A ANECRA não acredita que seja possível fazer uma transição sustentável do ponto de vista económico, social e ambiental apenas com base em viaturas elétricas. Há vários fatores que nos levam a acreditar num futuro com várias alternativas quanto ao combustível do futuro.

Acreditamos que a redução das emissões se poderá fazer através da venda de carros novos com emissões zero, mas, também, e sobretudo, assentes em soluções que possam ser utilizadas pelos veículos atualmente em circulação, com vista à redução das emissões. Apenas uma nota, vale a pena lembrar a realidade do parque circulante nacional: em Portugal existem seis milhões e meio de viaturas a combustão e, por essa razão, deverá ser pensada uma forma de manter esta tipologia de veículos em circulação, trabalhando em soluções menos poluentes e com menos emissões de dióxido de carbono.

VE – Até que ponto os consumidores podem ser prejudicados?

RG – Os consumidores podem ser prejudicados tendo em conta que os carros elétricos não respondem às necessidades da grande maioria das pessoas, o seu valor comercial é elevado e não existem formas de os poder carregar, no fundo é estar a condicionar a mobilidade individual das pessoas.

Parque automóvel envelhecido

VE – Qual o estado do setor e o que é preciso fazer para impulsionar as vendas?

RG – Relativamente a veículos ligeiros de passageiros, o parque automóvel nacional tem em média mais de 13 anos de idade, sendo que mais de 1,5 milhões de automóveis, a circular em Portugal, têm mais de 20 anos. Estes dados significam que é urgente a reintrodução da medida de Incentivo ao Abate dos Veículos em Fim de Vida para acelerar a substituição dos veículos convencionais mais antigos e poluentes por veículos de baixas emissões, concretizando, deste modo, o Acordo de Melhoria de Rendimentos – celebrado entre o Governo e os Parceiros Sociais – que prevê a implementação de um plano de abate de automóveis ligeiros de passageiros em fim de vida.

A ANECRA foi uma das entidades pioneiras na apresentação desta medida junto dos Secretarias de Estado dos Assuntos Fiscais e do Turismo, Comércio e Serviços tendo em conta a necessidade de uma resolução urgente nesta matéria.

Texto original escrito pela Vida Económica