“Mercado dos automóveis usados era o ‘patinho feio’. Agora é onde todos querem estar”, diz secretário-geral da ANECRA

"O mesmo carro vale 20% mais do que há um ano"

Na passada sexta-feira, dia 27 de Outobro, Lisboa recebe o maior evento do ano para o sector automóvel. Foram muitos os temas em debate mas o encontro aconteceu sob o lema da sustentabilidade. Em entrevista ao JE, Roberto Gaspar, secretário-geral da ANECRA, aborda os grandes desafios do sector a nível nacional e europeu.

Sob o lema da sustentabilidade, a ANECRA, organizou na passada esta sexta-feira, no Centro de Congressos de Lisboa, a 34ª Convenção Anual. Aquele que é o maior evento do sector automóvel realizado em Portugal juntou os principais players da área e através de cinco painéis abordau os novos paradigmas como a sustentabilidade na perspectiva Ambiental, Social e Económica; a Mobilidade; a Eletrificação; a Inteligência Artificial e a Realidade Aumentada, entre outros.

Em entrevista ao JE, Roberto Gaspar, secretário-geral da ANECRA, explicou quais são os grandes desafios deste sector – aponta a transição energética como o mais disruptivo – e no que concerne a Portugal, destaca o crescimento do sector dos usados – onde atualmente todos os operadores querem estar. No pós-venda, há boas e más notícias: o sector recuperou para níveis pré-Covid mas depara-se com uma falta de mão-de-obra que classifica de “dramática”.

Porque é que escolheram o tema da sustentabilidade para esta convenção?

Procuramos fazer duas abordagens distintas: uma que tem a ver com a questão do ESG (ambiente, social e governança empresarial) e com os desafios das grandes empresas, algo que é cada vez mais importante porque é um fator cada vez mais relevante e que tem de ser levado em linha de conta, sob o risco de, no futuro, não poderem fazer negócios com essas grandes empresas. Um caso muito evidente são as financeiras que começam a ser certificadas do ponto de vista do cumprimentos dessas regras, no que concerne ao tipo de parceiros que têm. A outra abordagem da sustentabilidade é quase em jeito de provocação porque é também uma interrogação. O sector atravessa um conjunto de processos que prometem mudar de forma radical a forma como conhecemos o sector automóvel nos últimos 100 anos: desde o processo de distribuição (fim dos concessionários e passar ao modelo do agenciamento) ao processo de digitalização, seja das viaturas ou do modelo comercial; dos automóveis autónomos e comunicantes; novos hábitos de consumo e o processo de eletrificação. Tudo isto está a acontecer ao mesmo tempo e tem um potencial disruptivo muito grande. Dificilmente o sector vai ficar da mesma forma nos próximos anos.

E por falar em disrupção: de todos estes processos, qual é aquele que tem o maior potencial de revolucionar o sector?

É claramente a transição energética. Durante muitos anos, a maior parte dos operadores foram um céticos em relação a esta questão da transição elétrica e acreditou-se que seria um processo lento e gradual. Hoje já se percebeu que não será assim. Fruto das metas ambientais europeias já para 2030 e 2035 (estas com emissões zero), os fabricantes automóveis europeus que durante anos lideraram este sector (assente na construção de carros com motores térmicos com qualidade e experiência) vê-se agora obrigada a fazer uma transição brutal para a produção de carros elétricos, para uma área na qual existem outros operadores que levam vantagem seja no desenvolvimento tecnológico, da capacidade instalada, dos recursos que têm à sua disposição (como os materiais para as baterias), como inclusive a diferença de qualidade quando estamos a falar de carros movidos a baterias. Ou seja, existe um risco enorme para todo o sector, e para toda a indústria europeia, e a questão que queremos debater é: se é verdade que a sustentabilidade do ponto de vista ambiental e ecológico é um desígnio de todos (e é fundamental que seja atingida), também é verdade que a verdadeira sustentabilidade só se consegue quando se atingem três eixos fundamentais: o ambiental, social e o económico. Se as três não forem cumpridas, dificilmente estaremos a caminhar numa lógica de sustentabilidade. Está a ser ameaçada aquela que é, ao dia de hoje, a maior indústria da Europa, a que gera mais receitas, a que mais contribui para as exportações e a que contribui para o desenvolvimento tecnológico a vários níveis. Vamos fazer a transição para uma área em que os concorrentes são mais agressivos, estamos a pôr em causa a sustentabilidade da indústria. Essa é a interrogação e uma provocação que queremos fazer a quem vai estar conosco. Esse será o desafio de todo o sector.

Esses serão os grandes desafios da indústria europeia como um todo. Há algum que seja mais específico para Portugal?

O mercado está a mudar muito, também em Portugal. Para dar um exemplo, em Portugal tivemos o mercado dos usados que foi negligenciado durante muitos anos e era liderado por operadores independentes. Durante muitos anos foi o ‘patinho feio’ do sector e a verdade é que hoje é o sítio onde toda a gente quer estar. Porquê? Porque se percebeu que durante muito tempo vamos ter carros muito caros, muitas pessoas não vão ter possibilidade de comprar carros novos e portanto, há uma grande camada de população cuja única possibilidade de adquirir um carro será através da aquisição de um veículo usado. Mesmo os grandes operadores, os operadores de mobilidade e os grandes concessionários estão a investir muito dinheiro no negócio dos usados e mesmo as marcas não querem ficar fora desse negócio. Já temos marcas a fazer a recolha de carros usados e a fazer o refactoring (os carros vão para uma fábrica, fazem uma higienização, um recondicionamento que faz com que o carro saia de lá praticamente novo). Isto acontece porque as marcas já perceberam que vai ser muito difícil ajustar a oferta àquilo que é a capacidade de procura. Os usados são uma área muito importante.

E a mexida no Imposto Único de Circulação, que se prepara no OE em discussão, ameaça esse mercado?

A grande maioria dos carros com mais de 16 anos não são vendidos em concessionários. Não tenho números mas pelo que tenho conhecimento, os negócios nessa gama faz-se entre particulares ou nos negócios de beira da estrada. São carros com um valor muito baixo, nos quais é muito difícil dar uma garantia que é obrigatória por lei. Ainda por cima sabemos que o IUC vai ter o travão de 25 euros, não julgo que essa medida possa afetar o segmento dos usados.

Quanto ao pós-venda, o sector tem vindo a crescer mas depara-se com um problema transversal a toda a economia.

O pós-venda está a funcionar muito bem até porque temos um parque automóvel relativamente envelhecido com quase 14 anos. Naturalmente, o primeiro sector que beneficia disso é o pós-venda independente. Apesar de estar a funcionar muito bem, este sector depara-se com um problema gravíssimo que é comum à generalidade da economia: a falta de mão-de-obra. O sector tem uma escassez enorme de mão-de-obra já há muitos anos porque há profissões que não cativam novas gerações como a de mecânico de automóveis e pintores entre outras. Se falarmos com 100 operadores de pós-venda, 95 ou 96 dizem que o principal problema com que se deparam hoje em dia é a falta de pessoal, especializada e não especializada. Chega a ser dramático. O sector está a funcionar muito bem, já com números pré-Covid e com os preços da mão-de-obra têm vindo a ser atualizados.

Texto original escrito pelo Jornal Económico

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