TENDÊNCIAS OFICINA DO FUTURO

CONDUÇÃO AUTÓNOMA

COLOCA QUE DESAFIOS?

As mais recentes notícias vindas a lume deixam claro que a mobilidade será elétrica mais cedo do que tarde e que a condução autónoma será uma realidade com mais ou menos intervenção do ser humano. É mais um ciclo para o qual as oficinas têm de estar preparadas.

JosÈ Manuel Costa

A discuss„o sobre a mobilidade elétrica e a condução autónoma enche páginas de revistas e jornais, jorra livremente nos fóruns de internet e é alvo de confrontos mais ou menos duros entre especialistas, analistas e simples comentadores. Porém, raramente, essas revistas e jornais, esses fóruns e esses especialistas, analistas e comentadores se debruçam sobre algo que deveria ser de enorme preocupação: o impacto da mobilidade elétrica e a condução autónoma terão sobre as oficinas e a rede de reparadores automóveis. Especificamente, como os centros de reparação se vão encaixar num ambiente onde os veículos com condução totalmente autónoma serão o mais comum.

Felizmente que o futuro não tem apenas nuvens, há raios de sol que dão esperança a quem hoje trabalha no setor e deseja continuar a laborar no futuro. É uma questão de esperança e de conhecimento. Não podemos é olhar para o que ai vem com desdém, como sucedeu, por exemplo, com os clubes de vídeo. Lembram de ir buscar as cassetes VHS e depois os DVD a loas de bairro ou às grandes lojas como o Blockbuster? Quando começaram a surgir as pequenas “start up” com oferta de vídeo na internet, empesas como a Netflix, os responsáveis da Blockbuster riram-se e nunca acreditaram que um gigante seria incomodado por um grupo de jovens voluntariosos. Não acreditou na evolução e na mudança e hoje a Netflix, como a Amazon, são gigantes do entretenimento online e a Blockbuster desapareceu, mergulhada numa falência inevitável. Tudo porque encararam a ameaça com sobranceria!

O setor da reparação automóvel tem de estar preparado para o futuro, sem descurar a qualidade de atendimento e de trabalho para os modelos do presente e do passado. Porém, manter um olho de camaleão, ou seja, um olho no presente e outro já no futuro, pois se assim não for as “Netflix da reparação” vão encaminhá-lo para a falência.

Na condução autónoma, o condutor é despido da sua função de controlar o veículo, interpretar os sinais que ele dá e relatar avarias. O que isto originará? Mais envolvimento do construtor e fim de linha para o pequeno reparador?

Como já falamos várias vezes nesta rubrica, a manutenção preditiva será essencial para os carros do futuro e começa já a dar os primeiros passos. Esta tecnologia obrigado o veículo a monitorizar-se de forma constante para maximizar os dados disponíveis e antecipar uma avaria. Não custa muito acreditar que os controladores do sistema aprendam algoritmos mais complicados e sofisticados e comecem a apontar as falhas com maior precisão e perfeita descrição das mesmas. E acreditem que o automóvel autónomo terá esta tecnologia desenvolvida até ao extremo, exatamente porque não há um humano que vá controlar os sistemas e as eventuais avarias.

E aqui reside o grande perigo para os pequenos reparadores. A tendência dos construtores será reter os dados apurados pelo veículo e com a condução autónoma, dirigir os veículos até ás suas bases de reparação. A famosa tomada OBD-II tornar-se-á obsoleta e assim os dados ficarão encerrados dentro do disco rígido do sistema original. Quer isto dizer que o fim está ao virar da esquina? Claro que não!

Se numa primeira fase a vantagem deverá estar do lado das oficinas e reparadores da própria marca, a verdade é que haverá espaço para pequenos reparadores que, porém, terão de encontrar forma de serem certificados pelo construtor para poderem manusear os dados recolhidos. Ou seja, terão esses pequenos reparados independentes que investir em conectividade, digitalização e, o mais importante, certificação junto do construtor. Quer isto dizer que haverá perdas pelo caminho, é inevitável que alguns não tenham capacidade ou interesse em estarem certificados. Alguns nem vão querer abrir portas para o futuro. Mas acreditamos que muitos vão mudar a sua forma de raciocinar sobre o assunto, introduzir melhorias nos seus espaços oficinais e receber, de braços abertos, a certificação.

Quando falamos de mobilidade elétrica e condução autónoma, logo é agitado o espantalho dos componentes em menor número face aos veículos com motor de combustão interna. Não sendo uma falácia, a verdade é que um carro elétrico ainda depende de muita coisa semelhante aos carros que todos conhecemos e há, ainda, muito material de desgaste para reparar e substituir.

A maior diferença situação na parte eletrónica e ai, sim, há diferenças brutais que podem ter impacto na criação de valor e de libertação de margem operacional. A outra face da moeda são os mais onerosos sistemas que tanto os veículos elétricos e, mais ainda, os autónomos, vão exibir. Onerosos por agora, pois com o crescimento da quota de mercado até aos 55% em 2050, os sistemas dos veículos elétrico vão-se massificando e com um desenvolvimento ultra veloz, acabarão por baixar de preço. Lembram os telemóveis? Eram caríssimos e uma valente porcaria quando surgiram nos anos 70 do século passado, começando a espalhar-se já nos anos 80. Menos de quarenta anos depois, o telemóvel serve para tudo e até para fazer chamadas e enviar mensagens, a preços muito mais reduzidos que nos anos 80. Portanto, o preço da tecnologia é uma questão de tempo até se nivelar com muita da tecnologia hoje aplicada. Muitos dos sistemas dos veículos autónomos são caros porque não há produção em série suficiente e não há veículos a serem vendidos em número suficiente para reduzir os preços. Mas a verdade é que já começou a queda dos preços.

Outra enorme preocupação com a condução autónoma é a facilidade de reparar o veículo pelo ar via internet. Ou seja, o veículo deteta algum problema e um operador ou um computador, na sede do construtor, repara a avaria, fazendo um “reset” ou enviando uma atualização. Mas, e os travões? E o sistema LIDAR que inclui as câmaras, os radares, os lasers e os sensores? E os cabos e as ligações? Tudo isto só pode ser reparado com a ajuda de um ser humano. Mas um ser humano formado de uma maneira diferente para que possa mexer nestes sistemas.

Mas no final fica sempre a mesma pergunta: mas afinal como é que os reparadores independentes e os pequenos reparadores vão sobreviver?

O galopante crescimento dos veículos híbridos e elétricos é uma realidade que não pode ser arrumada debaixo do tapete. A condução autónoma, nos seus níveis mais baixos, já é uma realidade e o nível 5 (ausência total de controlo humano) vai demorar mais um pouco, mas será uma realidade. Ora, tudo isto exige uma melhoria dos reparadores independentes no que concerne aos espaços físicos, á formação dos colaboradores e aquisição de novos meios de diagnóstico e reparação.

Provavelmente, o mecânico tradicional terá de ser substituído, para estes veículos, por técnicos diferenciados com a mente formatada para o futuro e capazes de interpretar aquilo que o veículo lhe vai dizer. Finalmente, numa altura em que a indústria continua a promover o fim da propriedade individual do veículo em favor da propriedade partilha ou em frota, estará na altura de começar a fazer contratos com as empresas de mobilidade e de frotas, para, assim, assegurar o futuro do negócio.

Se é verdade que a tecnologia vai mudar, bastante, nos anos mais próximos, o ser humano vai continuar muito semelhante. Por isso é que insistimos, muito, no relacionamento da oficina com o cliente. Muitas são as máquinas e os sistemas que podem ser perfeitos no atendimento e na resolução de problemas, mas nada substitui o relacionamento humano. Nada substituiu o sorriso, o aperto de mão, a voz confiante que nos tranquiliza. Isso é algo que a tecnologia, por muito que evolua, não consegue replicar. Tem de ganhar a confiança do cliente, por isso, mais importante que todas as mudanças que tenham de ser feitas, a mudança fundamental é a educação dos colaboradores para elevarem o nível de acolhimento e carinho com o cliente. O fator confiança é inestimável e não tem preço. Se conquistar o cliente, estará a salvar o seu negócio. E esta é uma vantagem sublime que os reparadores independentes e os pequenos reparadores possuem que será muito útil no futuro conectado e digitalizado que se aproxima a passos largos!